Ainda a ‘nega do cabelo duro…’? – Pesquisadora faz reflexão sobre preconceito e racismo

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Boa tarde, meninas e meninos!

Hoje pela manhã tivemos o prazer de nos deparar com o artigo, publicado no Jornal “A Tarde”, que fala sobre as inquietudes de quem tem cabelo cacheado e de toda a complexidade do  que está por trás da assunção do cabelo cacheadado/crespo. Ela faz uma reflexão histórica, cultural e geográfica sobre o racismo e o preconceito enfrentado, principalmente por mulheres negras,  na  decisão de se autoafirmar através dos cabelos.  Narcimária Correia do Patrocínio Luz é doutora em Educação, pesquisadora no campo da Educação Comunicação e Comunalidade Africano-Brasileira.

 

Ainda a ‘nega do cabelo duro…’?

Narcimária Luz

Nas sociedades tradicionais africanas, o cabelo simboliza a identidade profunda individual e coletiva de gerações. O cabelo africano é um patrimônio milenar e, como tal, constituiu uma das formas de comunicação mais radicais na dinâmica dos vínculos de sociabilidade que atravessaram o Atlântico. Cor, textura, cortes, tranças, penteados com adornos, tudo entrelaçado; comunicando narrativas que contam histórias de linhagens, famílias, instituições, hierarquias, papéis sociais que estruturam as relações primordiais que envolvem crianças, jovens e anciães nas comunidades.

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Chamo atenção também para as formas de reterritorialização histórica das populações negras nas Américas e Caribe, que encontram na plasticidade do cabelo africano, próprio das culturas de participação, a riqueza estética que permite a expressão possível de um corpo livre em permanente movimento de afirmação identitária.

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Apesar do rico universo simbólico que constitui o cabelo como extensão do patrimônio civilizatório milenar africano, contemporaneamente ainda crianças, adolescentes, jovens e adultos estão submetidos a constrangimentos inaceitáveis por anunciar em suas cabeças esse vínculo ancestral com a África. Refiro-me aos discursos estéticos fixados na ideologia do recalque e racismo, que há séculos agridem as populações negras.

Já tive oportunidade de abordar aspectos do carnaval, destacando as geografias que recortam e modulam os  espaços da folia momesca, agudizando tensões e conflitos entre civilizações. Aqui vou me referir a duas geografias: uma envolta no manto civilizatório neocolonial, alicerçada na política do embranquecimento, insistindo em constranger as mulheres negras por meio do estereótipo da “nega do cabelo duro que não gosta de pentear” e, o pior, o convite à agressão: “pega ela ai!”, “pra quê?”, “pra passar batom”. Muito triste!

A outra geografia está alicerçada nos valores e linguagens da civilização africano-brasileira presentes nas comunidades que singram vários bairros tradicionais de Salvador.

No discurso estético do carnaval africano-brasileiro, inclua-se aí a plasticidade dos cabelos com seus penteados e adereços interagindo com a música percussiva, vestuário, danças e dramatizações, as mulheres negras são abordadas pela imponência e integridade que as caracterizam. Mulheres negras  que são lideranças expoentes nas Américas e Caribe, fundadoras de instituições, comunidades, famílias, elaboram e promovem a expansão de conhecimentos profundos que dão dignidade e asseguram a expansão comunitária.

Exemplos fundamentais dessa trajetória femininas que africanizaram (parafraseando Marco Aurélio Luz) o carnaval brasileiro são os ranchos de carnaval, como o Rosa Branca de Tia Ciata, as escolas de samba, afoxés e blocos afros.

Subvertendo os espaços do carnaval, saturado pela estética política do embranquecimento e seu discurso perverso da “nega do cabelo duro que não gosta de pentear”, exemplos aqui são bem-vindos por apresentar, de modo imponente, a dinâmica plástica dos cabelos com linguagem africano-brasileira.

O bloco Didá com vestes e adereços fazendo alusão ao princípio feminino das águas doces, representadas por Oxum, orixá patrono da fecundação e da gestação, foi muito importante.

 

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Outro exemplo singular, a saída majestosa do Ilê Aiyê, adornado pelos rituais da tradição presididos pelas lideranças femininas que dão continuidade aos ensinamentos de mãe Hilda.

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A emoção atravessa a avenida, com o Ilê arrastando a multidão cantando com força e muita vibração várias músicas que marcam a identidade do bloco afro, dentre elas O Negrume da Noite e Deusa do ébano. Muito orgulho!

2 Comments
  • Izabele Renata

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    Exatamente. Esse tipo de música de negra que fala que os traços negros são ruins, só afirma o tipo de sociedade em que o cabelo liso, a pele branca, o olho azul e cabelos loiros é sinônimo de beleza.
    Se é racismo uma pessoa dizer que o cabelo de uma negra é duro, como muitas campanhas mostram, porque quando os artistas falam é aceitável, não é racismo? Algo a se pensar…

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